27 setembro 2017

anne carson

Essay on What I Think About Most

Error.
And its emotions.
On the brink of error is a condition of fear
In the midst of error is a state of folly and defeat.
Realizing you’ve made an error brings shame and remorse
Or does it?

Let’s look into this.
Lots of people including Aristotle think error
An interesting and valuable mental event.
In his discussion of metaphor in the Rhetoric
Aristotle says there are 3 kinds of words.
Strange, ordinary and metaphorical.

“Strange words simple puzzle us;
ordinary words convey what we know already;
it is from metaphor that we can get hold of something new & fresh”
(Rhetoric, 1410b10-13).
In what does the freshness of metaphor consist?
Aristotle says that metaphor causes the mind to experience itself

in the act of making a mistake.
He pictures the mind moving along a plane surface
of ordinary language
when suddenly
that surface breaks or complicates.
Unexpectedness emerges.

At first it looks odd, contradictory or wrong,
Then it makes sense.
And at this moment, according to Aristotle,
the mind turns to itself and says:
“How true, and yet I mistook it!”
From the true mistakes of metaphor a lesson can be learned.

Not only that things are other than they seem,
and so we mistake them,
but that such mistakenness is valuable.
Hold onto it, Aristotle says,
there is much to be seen and felt here.
Metaphors teach the mind

to enjoy error
and to learn
from the juxtaposition of what is and what is not the case.
There is a Chinese proverb that says,
Brush cannot write two characters with the same stroke,
And yet

that is exactly what a good mistake does.
Here is an example.
It is a fragment of ancient Greek lyric
That contains an error of arithmetic.
The poet does not seem to know
That 2 + 2 = 4

Alkman fragment 20:
[?] made three seasons, summer
and winter and autumn third
and fourth spring when
there is blooming but to eat enough
is not.

Alkman lived in Sparta in the 7th century B.C.
Now Sparta was a poor country
and it is unlikely
that Alkman led a wealthy or well-fed life there.
This fact forms the background of his remarks
Which end in hunger.

Hunger always feels
like a mistake.
Alkman makes us experience this mistake
with him
by an effective use of computational error.
For a poor Spartan poet with nothing

left in his cupboard
at the end of winter—
along comes spring
like an afterthought of the natural economy,
fourth in a series of three,
unbalancing his arithmetic

and enjambing his verse.
Alkman’s poem breaks off midway through an iambic metron
with no explanation
of where spring came from
or why numbers don’t help us
control reality better.

There are three things I like about Alkman’s poem,
First is that it is small,
light
and more than perfectly economical.
Second that it seems to suggest colors like pale green
without ever naming them.
Third that it manages to put into play
some major metaphysical questions
(like Who made the world)
without overt analysis.
You notice the verb “made” in the first verse
has no subject: [?]

It is very unusual in Greek
for a verb to have no subject, in fact
it is a grammatical mistake.
Some philologists will tell you
that this mistake is just an accident of translation,
and the poem as we have it

is surely a fragment broken off
some longer text
and that Alkman almost certainly did
name the agent of creation
in the verses preceding what we have here.
Well that may be so.

But as you know the chief aim of philology
is to reduce all textual delight
to an accident of history.
And I am uneasy with any claim to know exactly
what a poet means to say,
So let’s leave the question mark there

at the beginning of the poem
and admire Alkman’s courage
in confronting what it brackets.

The fourth thing I like
about Alkman’s poem
is the impression it gives

of blurting out the truth in spite of itself.
Many a poet aspires
to this tone of inadvertent lucidity
but few realize it so simply asw Alkman.
Of course his simplicity is a fake.
Alkman is not simple at all,

he is a master contriver—
or what Aristotle would call an imitator
of reality.
Imitation (mimesis in Greek)
is Aristotle’s collective term for the true mistakes of poetry.
What I like about this term

is the ease with which it accepts
that what we are engaged in when we do poetry is error,
the willful creation of error,
the deliberate break and complication of mistakes
out of which may arise
unexpectedness.

So a poet like Alkman
sidesteps fear, anxiety, shame, remorse
and all the other silly emotions associated with making mistakes
in order to engage
the fact of the matter.
The fact of the matter for humans is imperfection.

Alkman breaks the rules of arithmetic
and jeopardizes grammar
and messes up the metrical form of his verse
in order to draw us into this fact.
At the end of the poem the fact remains
and Alkman is probably no less hungry.

Yet something has changed in the quotient of our expectations.
For in mistaking them,
Alkman has perfected something.
Indeed he has
more than perfected something.
Using a single brushstroke.

Ensaio sobre as coisas em que penso mais

Erro.
Suas emoções.
A prospetiva do erro é uma condição do medo.
O ventre do erro é um estando de loucura e vencimento.
Perceber estar em erro deflagra vergonha e remorso.
Será?

Vejamos.
Muitas pessoas, incluindo Aristóteles, acham que o erro
é um acontecimento mental interessante e credível.
Quando fala de metáfora na sua Retórica,
Aristóteles diz que há três tipos de palavras:
as incomuns, as comuns e as metafóricas.

As palavras incomuns simplesmente nos deslocam;
as palavras comuns transmitem-nos o que já sabíamos;
usar metáforas é a forma de darmo-nos com o novo e o fresco”
(Retórica, 1410b10-15).
Em que consiste essa frescura das metáforas?
Aristóteles diz que a metáfora faz com que a mente se experimente a si mesma

no ato de cometer um erro.
O imaginário é visto em movimento sobre uma superfície horizontal
feita de linguagem comum
e aí, de repente,
tal superfície estampida ou se complica
Emerge o que não se sabe.

Ao princípio parece outra coisa, contraditória ou disruptiva,
Depois faz sentidos
E nessa altura, segundo Aristóteles,
A mente a si se questiona e diz :
Que verdade!, e mesmo assim que equívoco!”
Dos erros verdadeiros da metáfora, aprende-se.

Não se trata de as coisas serem outras do que parecem
e por isso entremos em confusão,
mas esse equívoco é precioso.
Calma aí, diz Aristóteles,
há nisso muito para ver e viver
As metáforas educam a cabeça.

A curtir o erro
e a aprender
na justaposição entre o que está e o que não está
Há um provérbio chinês que diz,
um pincel não consegue escrever dois caracteres na mesma pincelada
E mesmo assim

é precisamente isso o que um bom erro faz.
Eis um exemplo.
É um fragmento de um poema grego antigo
imbuído de um erro de aritmética
O poeta parece não saber
que 2 + 2 = 4

Fragmento Alkman 20:
[?] feitas três estações, verão
e inverno e em terceiro lugar outono
e em quarto lugar primavera quando
há fertilidades mas para comer
não é suficiente .

Alkman viveu em Esparta no século 7 antes de Cristo.
Neste momento Esparta é um estando pobre
e não parece provável
que Alkman vivesse uma vida de rico que come em abundância.
Tal facto constitui-se bastidor das suas notas
que desaguam na fome.

A fome sempre esteve percecionada
como um erro.
Alkman obriga-nos a experimentar o erro
com ele
através do uso efetivo do erro computacional.
Para um pobre poeta espartano sem nada.

no seu armário
no fim do inverno -
dejeta o começo da primavera
como evento outsider da economia natural
a quarta em três
desequilibrada a sua aritmética
e sua linha jâmbica.

O poema de Alkman está partido em dois na metrificação jâmbica
sem explicações
sobre donde vem a primavera
ou porque é que os números não ajudam
a controlar melhor a realidade.

São três as coisas que me interessam no poema de Alkman,
A primeira : é pequeno,
leve,
mais que uma economia perfeita.
Segunda : parece sugerir cores como o verde pálido
sem nunca as nomear.

Terceira: consegue pôr a brilhar
algumas questões metafísicas de primeira grandeza
(como: Quem fez o mundo)
sem excesso de análise.
Foquemo-nos na expressão verbal “fazer” do primeiro verso
sem sujeito : [?]

É muito incomum em grego
haver verbo sem sujeito, de facto
é um erro gramatical.
Há filologistas que dirão
que tal erro mais não é que um acidente de tradução,
e que o poema, tal como nos chegou
é certamente um fragmento solto
de um texto mais extenso
e que, quase de certeza, Alkman designou
o agente da criação
nos versos precedentes.
Talvez, talvez.

Mas como é sabido o principal objetivo da filologia
é reduzir todo o prazer textual
a um mero acidente histórico.
Não há conforto em saber com exatidão
o que o poeta quer dizer.
Deixemos, assim, a interrogação aqui.

no início do poema
admirando a coragem de Alkman
no confronto com os parênteses.

A quarta coisa de que gosto
no poema de Alkman
é a impressão que dá

de fazer com que deflagre a verdade, contra si mesma,
Muitos poetas almejam
essa tonalidade de lucidez não vigiada
mas poucos a alcançam como Alkman.
Claro que a sua simplicidade é falsa
Alkman não é tão simples como isso.

é mestre do artifício -
ou o que Aristóteles poderia chamar « imitador »
da realidade.
Imitação (mimesis em grego)
é o termo que Aristóteles utiliza para os erros verdadeiros da poesia.
Como gosto deste vocábulo!

é a simplicidade com que admite
que aquilo que nos entranha quando se faz poesia é erro,
a obstinada criação do erro
a quebra deliberada e as complicações dos erros
de onde pode emergir
o inesperado.

Assim, um porta como Alkman
põe de lado o medo, a ansiedade, a vergonha, o remorso
e todas as patéticas emoções associadas ao cometimento de erros
para adentrar
a pólvora da questão.
A pólvora da questão, no caso dos humanos, é a imperfeição.

Alkman estilhaça as regras da aritmética
e javarda a gramática
não escande o seu verso
para submeter a audiência a esse facto.
No fim do poema, permanece o facto
e provavelmente Alkman não tem menos fome.

No entanto algo mudou no coeficiente das nossas expetativas.
Ao levar-nos ao engodo
Alkman aperfeiçoou alguma coisa.
De facto
fez mais do que melhorar
No uso de um simples pincel

18 setembro 2017

sandra uribe pérez

[Destino]

El destino de la palabra es el silencio.
Todo vocablo termina por envejecer.
Toda sílaba acaba por fatigarse.
Lo que se dice comienza a perder sentido.
Lo que no se dice es lo que queda.
Lo que no queda, no existe.


[Destino]

O destino da palavra é o silêncio.
Todo o vocábulo estiola.
Toda a sílaba acaba por se fatigar.
O que se diz começa a perder sentido.
O que não se diz é o que fica.
O que não fica, não existe.


06 setembro 2017

jenny xie


Letters to Du Fu

I paid a visit to the province of a past year aided by a pot of wine
self-contempt erects a wide frame almost anyone can pass through

So unruly are my needs who would own up to it
Only a fool would try to imitate the arrow before letting go the bow

*

Du Fu, do not attempt this journeying with a whip of effort
to speed up your travel step backward into the broad forgetting

They say too much brooding elongates the mind
Everywhere one lands the train arrives at the depot early or late

*

Fruitless to try and compare your searching lines
with the rain’s heavy lather I’ll take instead the shaved surface of the moon

We are wiped of age first thing in the morning sleep is a light wash
and don’t we know it we are wrung and wrung


Cartas a Tu Fu

Visitei a província o ano passado ajudada por uma garrafa de vinho
o auto-desprezo erige um quadro quase todos o podem atravessar

As minhas necessidades são tão indisciplinadas quem se confessaria diante delas
Só um tonto tentaria imitar a flecha antes de soltar o arco

*

Tu Fu, não intentes esta viajem com um chicote de esforço
para acelerar o teu trajeto fica atrás no amplo esquecimento

Dizem que a incubação excessiva alarga a mente
Em qualquer lado se aterra o comboio chegará tarde ou cedo à estação

*

É inútil querer comparar as tuas linhas de procura
com a espuma pesada da chuva incorporarei melhor a barbeada superfície da lua

Limpamo-nos da idade logo de manhã dormir é uma lavagem ligeira
e não sabemos estamos a escorrer e escorrer


29 agosto 2017

marguerite yourcenar

Je n’ai su qu’hésiter

Je n’ai su qu’hésiter ; il fallait accourir;
Il fallait appeler ; je n’ai su que me taire.
J’ai suivi trop longtemps mon chemin solitaire;
Je n’avais pas prévu que vous alliez mourir.

Je n’avais pas prévu que je verrais tarir
La source où l’on se lave et l’on se désaltère;
Je n’avais pas compris qu’il existe sur terre
Des fruits amers et doux que la mort doit mûrir.

L’amour n’est plus qu’un nom ; l’être n’est plus qu’un nombre;
Sur la route au soleil j’avais cherché votre ombre;
Je heurte mes regrets aux angles d’un tombeau.

La mort moins hésitante a mieux su vous atteindre.
Si vous pensez à nous votre cœur doit nous plaindre.
Et l’on se croit aveugle à la mort d’un flambeau.


Só soube hesitar

Só soube hesitar; deveria ter estado;
era preciso convocar; apenas soube calar-me;
Durante demasiado tempo fui atrás do meu caminho solitário;
Não me apercebi que iriam morrer

Não antecipei que estaria perante a finitude
da fonte que lava e sacia;
Não compreendi a existência na terra
de frutos agridoces que a morte tem de amadurecer.

O amor é apenas um nome; a existência não passa de um número:
Na rota do sol procurei a vossa sombra;
Colidem os meus regressos com os ângulos de uma campa;

A morte menos hesitante soube atingir-vos
Se pensais em nós o vosso coração apresenta queixa
E consideramo-nos cegos com a morte de uma tocha.


21 agosto 2017

alejandra lerma

Retrato de mi abuela

Mi abuela vive en lo oscuro
pasa horas infinitas mirando al techo
dice que le duele el dolor
arrastra sus temblores junto a la silla de ruedas
a veces se olvida de su nombre

Sus manos se agitan al comer
recuerdo que una vez me alimentó
que me limpió la boca
y me enseñó palabras
todo lo hizo muy firme
estuvo viva para que yo viviera

No soy buena cuidándola
me asusta su tristeza

Temo envejecer con tanta angustia
mirarme en un reflejo
verme como ella
preguntarme dónde están mis hijos
y no poder llorar de la vergüenza

Marina
nunca ha visto el mar
siempre evitó los viajes y el amor
se fue quedando muda
cansada de escucharse
entre la soledad de las pastillas

La miro desde lejos
como a una extraña
se mece entre sus dedos la camándula
el olor de lo que muere la corroe

No comprendo la inclinación de la balanza
quién le ofrendó su peso
cuándo vendrán por ella
dónde guardaron
bajo llave
su alegría.


Retrato da minha avó

A minha avó vive às escuras
passa horas infinitas a olhar para o teto
diz que lhe dói a dor
arrasta as suas tremuras ao pé da cadeira de rodas
às esquece o seu nome

As suas mãos agitam-se a comer
lembro-me que uma vez me deu de comer
limpou-me a boca
e me ensinou palavras
fez tudo com firmeza
esteve viva para que eu vivesse

Não sou boa a tratar dela
assusta-me a sua tristeza

Temo envelhecer com tanta angústia
ver-me num reflexo
ver-me como ela
perguntar onde estão os meus filhos
e não poder chorar de vergonha

Marina
nunca viu o mar
sempre evitou as viagens e o amor
foi ficando muda
cansada de se ouvir
entre a solidão e as pastilhas

Olho-a de longe
como uma estranha
mexe-se entre seus dedos o rosário
o cheiro do que morre corrói-a

Não compreendo a inclinação da balança
quem lhe oferendou o seu peso
quando virão por ela
onde guardaram
à chave
a sua alegria.



20 agosto 2017

carolina dávila

La dificultad nos emparenta
Esas ganas de oponernos
como quien insiste vencido
en prender el fuego después del aguacero

En apilar leña
y raspar con las uñas la corteza
esperando encontrar
en su corazón seco
el origen del incendio

A dificuldade torna-nos parentes
Essas pulsões de nos opormos
como quem insiste vencido
em deitar fogo depois do aguaceiro

Em empilhar lenha
e raspar com as unhas a cortiça
esperando encontrar
em seu coração seco
a origem do incêndio

17 agosto 2017

amparo arróspide

La casa del dolor

Es posible que el dolor sea una casa
de techo altivo y puerta con cerrojo,
donde estás tan a gusto, a veces,
que no escuchas el filo del acero
rasgando los tapices,
suspenso por el aire perfumado:
es heliotropo mezclado con azufre,
busca posarse en los rincones;
la ventana se alza
entre el límite y tú.
Arduo paseo, en el silencio las escuchas,
voces de otros tiempos,
leña para el dolor
siempre hambriento de ti,
exigente como un recién nacido.
Ya lo amas.
La puerta se entreabre y tú la cierras:
No hay nada que temer.

A casa da dor

É possível que a dor seja uma casa
com teto altivo e porta com ferrolho,
onde estás tão confortável, às vezes,
que não ouves a ponta do aço
rasgando os tapetes
suspenso no ar perfumado:
é heliotrópio misturado com enxofre
procura depositar-se nos cantos;
a janela levanta-se
entre o limite e tu.
Árduo passeio, no silêncio as escutas,
vozes de outros tempos,
lenha para a dor
sempre faminta de ti,
exigente como um recém nascido.
Já a amas.
A porta entreabre-se e tu fecha-la:
Não há nada a temer.


16 agosto 2017

fionna sampson

Return

This is world as you
believed in it once
and then again lying
in the grass you lay
flat and squinted sideways
so bright so clear the grass
with the sun in it
you believed you could and could not
enter and now the memory
Proust’s little
cake is delicious
everything gaudy and green
making your mouth
water and your toes curl.

Retorno

Este é o mundo como
antes o vivias
e assim esparramada
na pastura estavas
horizontal e olhando de relance
tão brilhante e clareira a relvura
encimada pelo sol
acreditaste poder e não poder
entrar e agora a memória
a nata de Proust
deliciosa,
tudo verdúneo e inebriante
fazendo a tua boca
salivar, encaracolando o teu dedão

natalia azarova

[я кошачая птица...]

я кошачая птица
вся в солнечных оплеухах
подскользнулась в пост весёлых
мыслей

а вы с какой целью хорошо поживаете?
а вы с какой целью здоровы и веселы?
стаканы тока в такт клетчатых
одеял

куличики чаек песочных

sou uma ave felina
coberta por cascas apolíneas
escorri-me em jejum de alegres
pensamentos

e vocês? Porque dizem que estão bem?
e vocês? Porque dizem que estão saudáveis e alegres?
copos de torneira ao compasso de mantas
quadriculadas
castelos de gaivotas de areia